A COVID-19

A  COVID-19 é uma doença, e não o vírus a que todos chamam de coronavírus. O vírus em si se chama SARS-Cov2, e é da família do coronavírus (a mesma daquele que gerou a endemia do SARS (Síndrome Respiratória Aguda) em 2004 e outras infecções respiratórias por outros tipos de coronavírus menos conhecidos).

Como se dá a transmissão? Pelo ar (gotículas de tosse ou espirro de pessoas infectadas), transmissão pessoa-pessoa e contato com superfícies contaminadas. Um estudo desse ano do Journal of Hospital Infection revelou que o vírus pode permanecer em superfícies por até 9 dias, mas também sabemos que permanece no ar por até 3h.

Portanto, percebemos o quão complexo é manter um ambiente completamente asséptico: um paciente assintomático, em um lugar fechado, irá fatalmente transmitir o vírus a muito mais pessoas do que a média estudada (1 doente para cada 2,74 pessoas), bastando que fique ali algumas horas e outras pessoas circulem ali também. As partículas do vírus podem impregnar roupa e pele de pessoas próximas, mesmo que estas estejam usando máscaras.

O doente ou com suspeita de COVID-19, é quem deve usar a máscara (além dos profissionais de saúde na linha de frente), pois é ele que não pode permitir que gotículas de sua tosse ou espirro se disseminem. Do outro lado, as pessoas que tiverem partilhado ambiente com um infectado, mesmo tendo se afastado a mais de 1 metro, podem contrair a doença se encostarem em uma superfície tocada por ele e depois levando a mão à boca ou nariz, distraidamente…

Sem falar que também contraímos a doença por assintomáticos, e este é o maior problema: 86% dos pacientes não são diagnosticados (justamente por serem a maioria assintomáticos e não chegarem a ser testados) e 79% das transmissões são por pacientes sem qualquer sintoma (revista Science, 2020). 

O epidemiologista de Oxford, Dr. Frazer, respaldado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) defende que pelo menos 50% dos casos não são diagnosticados, e vão se multiplicar muito sem a detecção precoce, pois estes pacientes infectados circulam por aí contaminando as pessoas sem saber que é portador do SARS-Cov2 por até 4 semanas.

Embora o período de incubação mais frequente seja de 5 dias, ele pode ocorrer de 2 a 29 dias (poucos casos chegaram a 27 dias, e há um único caso em que os sintomas apareceram com 29 dias na China).

Percebam a dificuldade de descontaminarmos superfícies e o próprio ar de um local fechado após qualquer pessoa frequentá-lo, e daí a relevância de se fechar as portas do negócio, não existindo a possibilidade de manter o espaço integramente asséptico.

Os países que mais demoram a iniciar medidas de quarentena são os que primeiramente entram em falência do seu sistema de saúde, e em que mais rápido se evolui para a morte. Embora a Itália e a China tenham nos ensinado isso, que a única tática de que dispomos para conter a progressão da incidência galopante da COVID-19 seja o isolamento social, países como EUA, França e Inglaterra demoraram a tomar medidas sérias contra o problema.

Ontem tanto França como EUA decretaram não possuir insumos hospitalares o suficiente para lidar com a doença. Cientistas da Inglaterra, onde estão na segunda fase de contenção da epidemia incentivando o isolamento, orientam que, mesmo que não exijam um isolamento obrigatório agora, essa medida pode ser lançada mais à frente, como Itália, China e Espanha fizeram, no curso da pandemia. E orientam: melhor prepararmos a nação para momentos de maior ou menor isolamento pelos próximos 18 meses, que é quando devemos alcançar a vacina.

O que faz pessoas resistirem ao isolamento até hoje no Brasil, apesar de tantas informações mundiais assustadoras, como uma incidência de morte de quase 10mil, e quase 240mil pessoas diagnosticadas no mundo todo? Talvez excesso de otimismo e apego a notícias como as que o grupo de risco seria apenas o de idosos.

Informações como estas já estão antigas, visto que a doença é dinâmica e estatísticas e dados científicos mudam o tempo todo. Hoje sabemos que também são grupo de risco não apenas pacientes com doenças respiratórias e/ou cardíacas de base, diabetes melitus  e idosos, mas jovens que já possuam outra doença preliminarmente, sem sintomas e muitas vezes sem diagnóstico. Por isso vimos tantas mortes em pacientes jovens na França.

Na Itália, onde não há mais leitos para todos os pacientes e a calamidade força as equipes médicas a escolherem quem tem mais chance de viver, privilegiando os jovens em detrimento dos pacientes acima de 80 anos (fonte: BBC), a mortalidade já pode chegar a 18% pela COVID-19.

Hoje a doença não é mais “importada”, já se tornou comunitária na maioria dos países, onde os contaminados não fazem nem ideia de onde contraíram o vírus. Por isso o confinamento é importante e por isso a maioria dos países já fechou suas fronteiras há tempos. Mas no momento em que as mortes começam a subir, o vírus já se tornou local e de transmissão contínua. Nos EUA, Itália, França e Espanha, os pacientes não fazem ideia de onde contraíram o vírus, tamanha a disseminação comunitária.

China, Irã e Europa foram os principais países que criaram 3 focos principais de contágio nos EUA. No Brasil a maioria dos contaminantes foram viajantes vindo da Europa, e não adianta fecharem apenas as fronteiras com países latino-americanos, se os demais continuam vindo…

Quais países estão no pico agora?  EUA, Suíça, Inglaterra, Irã (100 mortes/ dia), Alemanha, Espanha, Portugal, França, além de tudo o que estamos acompanhando na Itália (passam de 350 mortes/ dia). Somente a China, o Japão, Singapura, Hong Kong e Coreia do Sul estão reduzindo sua casuística Isobretudo China e Coreia do Sul).

A Coreia do Sul é o país que mais testa os pacientes para o vírus no mundo, com estatísticas precisas de contágio. Lá as pessoas são testadas e monitoradas por GPS para que se mantenham isoladas caso testem positivo. Com medidas ágeis e de acurácia na detecção da doença, o país pôde acelerar os cuidados aos infectados e isolar de forma mais certeira os positivos do restante da comunidade, reduzindo a epidemia.

Outro motivo que atrasa o isolamento por parte de brasileiros é a “infodemia” concomitante à pandemia do coronavírus. No país onde se elegem políticos por fake news, todos os dias espalham novas e infundadas alegorias sobre a fonte ou finalidade “apocalíptica” da doença, que apenas confundem pessoas e atrasam medidas urgentes como o confinamento.

Não há a menor possibilidade de esta pandemia ser uma arma biológica. Cientistas diversos do mundo já demonstraram que não se trata de algo criado em laboratório, inclusive o genoma e propriedades do vírus descartam essa possibilidade (segundo estudos deRichard Ebright, a professor de biologia química expert no assunto, da Rutgers University, e também outros cientistas britânicos).

Fake news como estas não apenas confundem a população, como as distanciam de tomar medidas urgentes que podem, de fato, nos auxiliar a conter a incidência da doença, que é única e exclusivamente o confinamento.

No Brasil, por que aparentemente a transmissão não parece tão alta? Alguns motivos:

  1. Subnotificação: O Ministério da Saúde restringe os testes em caso de epidemia, somente testando o paciente após sua internação (e orientando a maioria dos sintomáticos a ficarem em casa diante de casos leves). Então nunca saberemos ao certo a real casuística no Brasil. Isso é preocupante, pois, se desprezamos a real incidência do problema, como vamos saná-lo? A incidência progride exponencialmente enquanto perdemos tempo cuidando de poucos doentes graves e não iniciando o tratamento em todos os casos necessários.

2- Um estudo aponta que, no Brasil, temos um atraso de, em média, 9 dias no ciclo de transmissão de uma pessoa dita saudável até que ela seja identificada como portadora com sintomas relevantes (e seja internada). A demora em testar esses pacientes permite que eles tenham circulado por uma ou mais unidades hospitalares disseminando o vírus, como temos visto em muitos países.

  • Até que aconteça a primeira morte pelo vírus, centenas de pessoas já estão contaminadas, assintomáticas, ou apresentando sintomas, de leves a moderados, e estão por aí, circulando. Quando o sistema começa a enxergar e notificar essa morte, a avalanche de outros casos começa a emergir nos quatro cantos daquele país.

Então por que é importante agir o quanto antes quanto ao isolamento? Primeiro, porque foi isso que a Itália e a China nos ensinaram, algo reforçado pelo conselho de medicina: somente o confinamento pode conter o avanço da epidemia. Segundo, porque quando começam a ocorrer as mortes, o vírus já está instalado e se disseminando aritmeticamente no meio. Terceiro, porque, tomando a China como exemplo, 86% das pessoas em Wuhan não foram diagnosticadas e estavam com o vírus, responsáveis por transmitirem 79% dos casos por lá, como a revista Science apurou.

Eu suspendi minhas atividades na segunda-feira, dia 16/3, e não me arrependo. Muitas pessoas acham isso precoce, mas me senti literalmente impotente diante desta pandemia. Eu não me sinto capaz de ofertar um local 100% seguro para que pacientes circulem, mesmo reduzindo o atendimento a ¼. É ruim para a economia de todos, mas é necessário. E se o pico realmente for no final de abril (segundo epidemiologistas da Fiocruz), eu continuarei em casa protegendo a minha família e aos meus pacientes.

Ana Carolina Rocha é médica e palestrante internacional com 18 anos de formada, doutoranda pela UFG e fellow do Texas Institute of Dermatology, com 15 anos de sua carreira dedicada à saúde pública no Brasil.

Instagram: @dracarolrocha

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